Dois Irãs: Forough e Sharif

forough

Forough Farrokhzad (1935-1967) não viveu para ver o novo retrocesso que seu país passaria após a Revolução Islâmica de 1979. Não viveu para ver a ascensão dos grupos radicais. Não viveu para ver sua obra ser proibida no lugar onde nasceu. O Irã de Forough era uma pintura bem diferente. Na década de 60, o país trabalhava em prol de reformas modernistas, com planos de reforma agrária e direito de voto para as mulheres. Embora não houvesse a democracia como bandeira, algumas coisas mudavam, especialmente para as iranianas que cada vez mais se sobrepunham. Forough é o símbolo dessa luta feminista entre os persas, da trajetória pela emancipação das mulheres.

A poeta, e também cineasta (clique aqui e assista The House is Black), se tornou um dos marcos mais importantes não só do Irã mas da poesia modernas feita por mulheres.

Em 1955, depois de se divorciar de seu primeiro marido (um escândalo na época), Forough publicou seu primeiro volume de poemas, The Captive. Em 1964, ela laçou Another Birth. Conhecida obra que comprova sua sofisticação e maturidade com as quais rompeu com os entre-laces da poesia iraniana até então. Três anos após, com a idade de 32, a escritora morreria em um trágico acidente de carro.

Colaborando com o curso histórico de seu país, seus textos tendem a autoafirmação e encorajamento das mulheres. Dizem que a poesia tradicional persa, que pouco ou nada conheço, assim como a chinesa possui um excesso de mitologias da natureza, contemplação e euforia com os detalhes, em uma junção quase sábia/quase espiritual. Pois Forough atentava em questões bem mais pontuais e renovadoras como a construção da personalidade, identidade feminina, autonomia, prazeres da vida, a vida pessoal moderna e a sexualidade. Não é à toa que até hoje encontrasse dificuldade entre os religiosos e tradicionalistas.

Aqui temos um exemplo de sua escrita, por meio de uma anti-tradução:

Silenciosa sexta-feira

Silenciosa sexta-feira
vazia sexta-feira
Sexta-feira tristinha como os antigos becos
Sexta dos preguiçosos pensamentos doentes
Sexta dos não cheirosos trechos sinuosos
Sexta do não antever
Sexta-feira da submissão.

Casa deserta
solitária casa
casa lacrada contra as investidas juventudes
casa da escuridão e da solar fantasia
casa de estar só, presságio e não decisão
casa das cortinas, livros, armários e figuras.

Ai, como minha vida fluiu serena silenciosa
como um córrego numa super corrida
pelo coração de um exagero de sem som, desertas sextas-feiras
pelo coração tão vazio casas de desânimo
ai, como minha vida fluiu serena silenciosa.

§

Quiet Friday

Quiet Friday
deserted Friday
Friday saddening like old alleys
Friday of lazy ailing thoughts
Friday of noisome sinuous stretches
Friday of no anticipation
Friday of submission.
Empty house
lonesome house
house locked against the onslaught of youth
house of darkness and fantasies of the sun
house of loneliness, augury and indecision
house of curtains, books, cupboards, picture.
Ah, how my life flowed silent and serene
like a deep-running stream
through the heart of such silent, deserted Fridays
through the heart of such empty cheerless houses
ah, how my life flowed silent and serene.

§

por Aresh saedinina

Nos dias de hoje outra poeta iraniana (de origem) meu chamou atenção. Solmaz Sharif é jovem, nasceu em Istambul, mas mora nos Estados Unidos. Estudante de universidades como U.C. Berkeley e N.Y.U. ela ainda trabalha em seu primeiro livro de poemas e acabou de ganhar o Ronna Jaffe Prize que premia promissoras escritoras mulheres.

Sendo uma iraniana-turca-estado-unidense é interessante ver como as questões de conflitos nessas zonas, que para ela talvez perpasse mais o pessoal, são abordadas. Poemas como o excelente e bombástico From Reaching Guantánamo (Clique aqui) trazem para a beirada da relevância estes acontecimentos, fazendo a violência de estado, o cenário de guerra e o oriente palcos de alguns de seus textos. De olhos abertos com seus sonares frente a novas cicatrizes.

A questão de seu uso da linguagem, do selecionar das palavras, é um fato que não passa despercebido. Nos poemas abaixo, Sharif demonstra um uso muito aguçado do vocabulário, que tende muito mais ao paladar do que ao visual, elegendo novas maneiras de percepção e exercícios. Talvez por ser estrangeira e observar a língua inglesa de outro ângulo, um ângulo de não saber porém belo, não sei, não se sabe. Mas ao que parece é um alerta que atiça os cinco sentidos. Um calibre de primeira.

Se Forough se coloca à disposição da ocidentalização, da voz do indivíduo, de sua própria forma de perceber o tradicional, do romântico porque libertário, o que Sharif faz nestes seus poemas é olhar novamente o coletivo, os conflitos extensos, os oprimidos, deflagrados. A mesquita em perigo. O cárcere como a promessa do perigo. Resultado de um Irã e de um Estados Unidos sufocante que morde primeiro e esquece de latir mesmo que depois.

dois poemas de Solmaz Sharif:

Estudos de vulnerabilidade

seu rosto se indo do meu
para continuar a gozar

oito morangos em uma tigela azul molhada

papai segurando suas calças
na linha de chegada

uma recém-casada segurando seu coque
com pinos de granada

uma parede vazia de pregos
para fantasmas andarem sobre

§

Vulnerability Study

your face turning from mine
to keep from cumming

8 strawberries in a wet blue bowl

baba holding his pants
up at the checkpoint

a newlywed securing her updo
with grenade pins

a wall cleared of nails
for the ghosts to walk through

§

Teatro

Eu fiquei suspenso no muro da mesquita
meus ombros enrolados nele
deixei meu pé cair
em direção ao chão de entulho
tentei manter meus cílios
como rifles tintilando
suas focinheiras expelindo febre
quentes fora de pulso
Eu estava me fingindo de morto
no meio dos mortos
uma besta avista meu fôlego
assopra no meu rosto
ela disse:
“Agora esse puto tá morto”.

§

Theater
I dropped down against the mosque wall
curled my shoulders in
let my feet fall apart
tilting toward the rubble-dusted floor
tried to still my lashes
as rifles came clanging in
their muzzles smelling out fever
heated off a pulse
I was playing dead
between the dead
a beast caught sight of my breath
blew off my face
he said:
“Now he’s fucking dead”