Biopoesia: poesia viva / vivo na poesia
Publicado; 23/11/2021 Arquivado em: ensaio, poesia, tecnologia, Uncategorized | Tags: arte, arte tecnológica, arte transgênica, bio poesia, bioarte, biologia, biopoema, biopoesia, christian bök, décio pignatari, eduardo kac, tecnologia Deixe um comentárioo significado é um signo aberto quandoonde a vida vive
Décio Pignatari
A expressão biopoema surge na obra de artistas e poetas, como o brasileiro Eduardo Kac e o canadense Chstian Bök para descrever seus trabalhos, como Gênesis (1999–2002), Profecia (2006) e O Xenotexto (2015). Ambos possuem uma ligação extrema com a poesia escrita e a poesia aplicada a novos suportes e tecnologias. Eduardo Kac iniciou na cena com o movimento de arte pornô, e a escrita de poemas eróticos. Ao longo do tempo, experimentou-se em videopoemas, eletropoemas, holopoema, e além de propositor, Kac dedicou-se também a crítica da poesia, com artigos sobre Alberto Pimenta, Ernesto Melo e Castro, entre outros. Ao mesmo tempo, Bök, é um poeta experimental que mescla poesia com pesquisa, seja com trabalhos sobre os própriaos limites da linguagem escrita, como misturados com campos da ciência, como geologia e biologia. Mas o que seriam biopoemas?
O biopoema surge na trajetória de Kac dentro de seu pensamento em torno da bioarte e da arte transgênica. Na década de 90, com obras como Teleporting na Unknow State (1994–1995), A-Positive (1997) e Time-Capsule (1997) observa-se a utilização de seres vivos, de plantas ao próprio corpo do artista, com contato com a tecnologia para criação de obras. Neste mesmo período, pesquisando novas poéticas de mídia, propõe a biotecnologia como uma escrita para a formulação de poemas, uma poesia orgânica. Essa seria o que ele chamou de biopoesia, sugerindo: “Agora, em um mundo de clones, quimeras, criativas transgênicas, é hora de considerar novas direções para a poesia in vivo. Abaixo, proponho o uso da biotecnologia e dos organismos vivos na poesia como um novo domínio da criação verbal, paraverbal e não-verbal”.
Kac propõe abertamente formas de criarmos biopoemas, imaginando uma longa distinção de tipos específicos de obras, como escrita atômica, nanopoesia, xenográfica, poética bacterial, contudo, um deles nos interessa. Contudo há um tipo específico no qual denomina biopoema transgênico que envolve mais diretamente a escrita. Nele, um DNA seria sintetizado de acordo com códigos inventados para criar sentenças que correspondam palavras e nucleóides. O DNA seria sintetizado no genoma de organismos vivos, combinando com palavras de outros organismos e por meio de mutações, perda natural e troca de material genético, novas palavras e sentenças surgiriam. Após este processo de escrita em vivo, o DNA é sequenciado e o transpoema é lido.
A biotecnologia como escrita
Pelo biopoema reinserimos a ideia da biotecnologia como um modo de escrita, como já chamou a atenção Donna Haraway. Contudo, onde ocorre realmente a escrita? No ato de tradução entre códigos ou no contato com o suporte? Ou nos dois? Robert Mitchell traz a ideia de pensarmos o orgânico como uma nova mídia. Uma mensagem inserida geneticamente em um organismo vivo é uma mensagem que poderia, em tese, durar a idade da vida, mas também, se modificar na primeira mutação que o suporte, no caso, os genes sintéticos, venham a sofrer dentro de si mesmos e dentro de sua relação com o exterior. Sendo o suporte vivo, isto implica diretamente sua importância no processo.
No trabalho Cypher (2009) Kac escreveu um poema e o sintetizou em DNA:
O livro-vivo- obra é apresentada como uma maleta, com um kit científico transgênico, onde o participante é convidado a praticar o experimento-poema, dando, segundo ele, vida ao poema. Seguindo-se as instruções, o leitor-experimentador mistura o DNA sintético com a frase em bactérias, que irão o absorver, exibindo como fruto do sucesso deste processo a luz vermelha.
Em O Xenotexto (-), Bök, autodidata, demorou quinze anos dedicando-se ao estudo biotecnológico em busca da execução do que ele chama um exemplo de poesia viva. A tentativa do poeta é a de criar um poema sobre a linguagem genética, utilizando um ‘alfabeto química’ e traduzi-lo em DNA para inserção em um micróbio. Mas não trata-se meramente de transpor uma frase de um código para outro. Bök cria um poema como uma série de instruções para que já no organismo, este crie uma proteína específica que na verdade é em si um outro texto. A ideia não é apenas usar a vida para armazenar ou, acidentalmente, reescrever poemas, mas sim uma máquina de escrita. O projeto ainda não acabou, e o poeta continua em busca da realização de seu experimento poema, fazendo testes em tipos variados de microorganismos. Faz parte da ideia do poeta também que o ser vivo escolhido tenha uma probabilidade muito baixa de sofrer mutação, o que resultaria em um poema que se escrevesse, em tese, para sempre.
O poemas da obra são os abaixo. A partir da inserção do poema que chamamos aqui de A, o organismo escreveria como resposta o poema B:
A
Any style of life
is prim
oh stay
my lyre
with wily ploys
moan the riff
the riff
of any tone aloud
moan now my fate
in fate
we rely
my myth
now is the word
the word of life
B
The faery is rosy
of glow
in fate
we rely
moan more grief
with any loss
any loss is
the achy trick
with him
we stay
oh stay
my lyre
we wean him
of any milk
any milk is rosy
Arte transgênica: pensar a vida a partir do código em xeque
Publicado; 23/11/2021 Arquivado em: ensaio, tecnologia, Uncategorized | Tags: arlindo machado, arte, arte biológica, arte digital, arte transgênica, bioart, bioarte, biohacker, biolítica, biopoesia, carolle collet, eduardo kac, joe davis, pós-biológica, roy ascott, Stephan Wilson Deixe um comentárioEm Information Arts (2002), o pesquisador Stephan Wilson chega a declarar este o século da biologia. Vislumbra a possibilidade das novas tecnologias nos darem não só o caminho de controlar o mundo orgânico como nossos próprios corpos, o que, em sua opinião, fará a revolução eletrônica parecer brincadeira de criança. Alguns como Hervé Kampf chamam esta era de biolítica. Em 1995, Roy Ascott deu força ao uso do termo pós-biológico, termo que ficava cada vez mais em voga.
A profusão das novas tecnologias e suas aplicabilidades orgânicas, como criação de biorrobôs e cyborgs, redes neurais simuladas, algoritmos genéticos, ferramentas de edição genética, sintetizações de organismos, hackeamento entre espécies e sistemas, orgânicos e não orgânicos, apontam suas lentes para a vida em si como principal centro de debate. Frente a isso, artistas, a lembrar de Arlindo Machado, tem um dilema que envolve a busca de uma ética e uma estética para este momento.
A biologia, em especial a biotecnologia, começa a ser percebida como uma ciência da informação, em uma mudança de paradigma. A biotecnologia permite programar as informações genéticas dos seres, evocando um processo semelhante a escrita. Neste contexto podemos situar a arte transgênica. Lida por alguns críticos como parte da Arte Digital, Artes Tecnológicas, podemos observá-la como uma ramificação da Bioarte. Se na bioarte a biologia é utilizada como experiência estética, a arte transgênica parece aprofundar este tema.
Para além de organismos e ecologias, espécies, corpos, humanos e não humanos, a vida em si é repensada. Isto porque a arte transgênica trabalha com as peças fundamentais presentes em tudo que é vivo, seu código: os genes, que definem as proteínas para a criação dos aminoácidos, proteínas, enzimas, os seres. Eduardo Kac define a arte transgênica como uma proposta de uso da biotecnologia como meio de criação de seres vivos únicos, o que pode ser conseguido, por exemplo, transferindo-se genes sintéticos para um organismo, mediante a mutação dos próprios genes do organismo, ou pela transferência de material genético de uma espécie para outra. O código é o ponto de partida destas obras, que pensa a vida a partir de seu nível molecular, onde a tecnologia se consuma mais invasiva. Neste sentido, também nos permitimos questionar se, por sua natureza, a arte transgênica não acaba fazendo arte, vida e política termos, em sua presença, indissociáveis.
Microvenus (1988), de Joe Davis
Bombyx chrysopoeia (exibido em 2018, na Bienal de Arte Digital em Belo Horizonte), de Joe Davis