Marianne Moore: “Arte como expressão exata”

É um trecho do poema The Hero, de Marianne Moore que abre o livro Agrestes, de João Cabral de Melo Neto. “Onde há o gosto pessoal, lá vamos nós/ Onde o solo é ácido”, na tradução de José Arantes. No caso do brasileiro, Moore conseguiu embriagar a superfície da pele de uma forma que o próprio interior do pernambucano foi rearranjado. Ao lado de Valéry e W.C. Williams, ela se ergue com uma de suas grandes referências.

Figurando juntamente com Ezra Pound, Wallace Stevens, T.S. Eliot, Moore acabou por influenciar grandes poetas posteriores como Elizabeth Bishop e W.H. Aunden. Na defesa da visão de uma poesia de esforço, trabalho árduo e inflexibilidade, acabou na falta de , ajudando a criar um novo público para essa nova concepção. Nas palavras de Steveans, para ela “uma palavra é uma palavra principalmente quando é decomposta pela ciência, tratada como ácido para remover manchas, lavada, enxugada e posta pelo lado direito sobre uma superfície limpa”. Fazia parte desse processo, elementos como a ironia, complexidade, tensão e dureza.

No início de sua carreira, segundo ela própria, escrevia movida por “ardente desejo de objetivar o que, para a felicidade pessoal, é indispensável expressar”. A partir desse pensamento que Moore encabeça e talha toda sua trajetória. Foi influenciada por prosistas como Francis Bacon e Henry James, referências que talvez a ajudaram a ser inicialmente uma “sem lugar”, quando falamos em escolas que existiam nesse momento. Embora admirasse e utilizasse de alguns elementos dos imagistas (composição na sequência de frase musical, palavras que contribuíssem para apresentação, diretismo etc) seu estilo de expressão próprio não se identificava com ele por completo. Para Moore, poesia tinha de ser tão bem escrita como prosa, e assim sendo, sua obra é um misto dessas duas expressões.

Uma forma de entender melhor esse pensamento a principio rigoroso, é a partir da idéia de “contenção”. Nesse raciocínio, liberdade é um ato de disciplina também, no momento em que escolhemos algo, impomos, e não usufruirmos de outro algo. Nela, essa idéia é bastante explorada através de uma busca de precisão até um tanto instrumental, que se dava nas escolhas demoradas das palavras, rimas leves e regularidades silábicas. Citações literárias, mitologia, tom de conversa e um conflito entre o anti-poético e o literário marcam a sua obra de forma geral. Porém, em meio a um distanciamento evidente em diversos poemas, alguns ainda deixam submergir uma atmosfera pessoal, mapeada por memórias ( verdadeiras ou criadas?) que dão um efeito único ao leitor.

No poema “Silence” temos aquele que nos fala com o mesmo apuro clínico de observador em que há nos outros escritos. Porém, na primeira frase o eu cita “seu pai”, para no final acabar assim: “ ‘Faça de minha casa sua pousada.’ / Pousadas não são residências”. Além dessa intimidade, outra atenção tem de ser clareada, o gosto pelo uso da ambigüidade de sentidos que essa estrutura pode refletir, já que se auto proclama aberta.

Pensando em Moore vemos coerentemente a imagem de uma escrivaninha e um relógio a rodopiar horas a fio. É a questão da escrita como uma batalha, como uma arte da cerâmica, mais até, moradora de uma oficina de ferragem. Um auto-conhecimento em todos sentidos, seja no processo de criação, seja na sua reflexão sobre o que julga e o que quer do poema. Mesmo dona dessa complexibilidade, sua oficina não deixou de mobiliar os mais diversos cômodos de leitores, sendo ela mesma um palco de discussão sobre o sentir e o fazer poemas.

Como sabemos João Cabral era avesso ao pessoal exarcerbado pela poesia. Dizia não escrever sobre si próprio, embora principalmente nos poemas mais antigos, observamos alguns fatores contrários. No poema abaixo, tal como todos pupilos se imaginam em um café com seus mentores, na oportunidade de uma conversa, Cabral deixa soar algumas interrogações sobre esse terreno duvidoso (mais para mangue que qualquer outra coisa) entre o impessoal e o identificatório.

Dúvidas apócrifas de Marianne Moore
Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?

Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso,
e sempre impudor?

A coisa de que se falar
Até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo
Impuramente, a quem dela quer falar?

Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?