a nova era das maravilhas de dyson e a poesia como espanto e investigação no século xxi

Global warming has made iconic Andean peak unrecognizable | Science | AAAS

O físico e matemático inglês Freeman Dyson em seu livro Dreams of Earth and Sky traz certas proximidades históricas entre a poesia e ciência, com ênfase na biologia. Dyson relembra The Age of Wonder (A Era da Maravilha), também conhecido como o período Romântico que se concentra nos anos 1770-1830, como um local histórico de encontros entre a poesia e a ciência. O romantismo, onde ascenderam poetas importantes como William Black, William Wordswoth, Lord Byron, Mary Shelley, Peter Shelley, John Keats, Johann Wolfgang von Goethe e Alexander Púshkin, também influenciou outros tipos de invenções não só relativas a escrita. Ele cita o biógrafo Richard Holmes, que ao escrever sobre esta época do pensamento ao invés de priorizar os poetas alavancou os cientistas. Em um período onde a filosofia, poesia e ciência se encapsulavam como trajetos de investigação, modos de viver, de pensar e abastecer o encantamento, onde a ciência não estava tão sumarizada, com figuras entre diversos mundos como do naturalista, os exploradores, ensaístas, fazendo se dobravam em busca de experiências.

O botânico Joseph Banks, o astrônomo William Herschel, o químico Michael Faraday, o médico Erasmus Darwin eram alguns dos que segundo Dyson eram “românticos como os poetas”, e nesta época muitos poetas estavam interessados em ciência e muitos cientistas em poesia. Erasmus, além de médico e avô paterno de Charles Darwin, fora também poeta, e sua família por muitos anos sustentou o projeto de vida, e de poesia de Woordsworth. O próprio romance Frankenstein, de Mary Shelley de 1817, nasce envolto ao relacionamento e influência dos cientistas Humprey Davy, William Lawrance, e poetas como Byron – em específico – seu poema Don Juan. A descoberta era uma via de muitas sensações, e podemos recordar aqui também o encontro entre Goethe e o naturalista, pai da geografia, Humdboldt, como também, ecos do filósofo e poeta da nova Inglaterra Emerson, amigo íntimo do ecologista Thoreau, cujos ecos chegaram até os alemães, como Hegel, entre outros, e uma geração de poetas.

Após este período de intensa busca, românticos em todas as mais diferentes práticas e ofícios, Dyson preve a possibilidade de vivermos uma fase que poderia nos aproximar deste período. Para ele, os recentes avanços da biotecnologia poderiam apresentar um cenário de uma nova Era da Maravilha, tendo especificamente a biologia um tema dominante onde se vislumbraria uma nova arte que “poderia desenhar genomas para criar novas variedades de animais e plantas”. Uma arte, que usando a biotecnologia poderia avantajar aptidões ancestrais de plantas e animais, que pode estar lutando para vir à tona. Segundo ele, ela deve lutar contra as barreiras culturais, assim como contra as dificuldades tecnológicas, contra o mito do Frankenstein e também contra a realidade dos defeitos e deformações genéticas. Com isto se realizando, tería-se uma nova geração de pessoas que poderiam escrever genomas tão fluentemente como Blake e Byron escreviam seus versos, criando uma abundância de flores, frutos e pássaros, enriquecendo a ecologia do planeta.

Aventuras na História · Frankenstein: Os experimentos reais que inspiraram  a história do icônico personagem

O que ele está falando quando fala em escrever geneticamente, como é a consequência real que esta que sua hipótese imagina este mundo? Dyson cita a capacidade contribuitiva da poesia para esta nova fase por meio de Woordsworth, e seu prefácio do famoso livro Lyrical Ballads, onde “A poesia é a respiração e o espírito mais elevado de todo conhecimento… a expressão apaixonada que serve de semblante a toda ciência”. Talvez nesse sentido ele queira dizer que a poesia poderia não só utilizar a biotecnologia como escrita, e além de descrever e pensar a natureza e seu sentido, de fato, sair da metáfora, de uma ideia de produzir vitalidade, inflamação de vontade, para de fato criar seres vivos, como também, que a poesia poderia ser como uma bússola necessária para esta guinada que brotará, uma vez que ela além de abarcar o longo horizonte da pensatividade em seu estágio desde dúvida até mesmo de análise, como também, o desejo e talvez o principal, as arestas do próprio conhecimento. Não saberia dizer se nesse sentido ela teria a capacidade, para ele, de fornecer as ferramentas de enredamento ético – tendo como princípio – o resguardo do maravavilhamento, isto é, dos vivos.

É de se concordar que a forma com que Dyson apresenta por momentos estas peças pode parecer aterrador. O que seria considerado defeito genético ou vantagem – se muitos definem a variabilidade ou, a taxa de acidente, mutabilidade, falha, como uma característica da produção da diversidade do vivo? Ou quando pensamos que não tratam-se de genes, isolados como letras de uma palavra, mas de expressões genômicas em um sistema complexo de rede, que causa certas produções de proteínas e decorrências? É bom lembrarmos que Woodsworth era um poeta também preocupado e comprometido com o social, com preservar as mais distintas formas de habitar a terra, a água, as comunhões com o campo, com o exercício dos viveres. Nesse sentido, prefiro aproveitar o pensamento de Dyson por este lado, do chamado a importância da poesia para nos mantermos atentos ao sentido, ao que importa, participando de um processo por meio da criatividade, da criatividade como meio de debate, onde esta pode estar à periga de ser apenas um processo rumo a um pesadelo.

Afinal de contas, Shelley não criou Frankstein ela revelou o que já estava lá, o que estava em disputa desde seu antecessor, Prometheu. A “galvanização” criadora de vidas seria inevitável, uma vez que muitos dizem a Biologia ser a revolução do século XXI, com a biotecnologia tendo um impacto na sociedade superior ao surgimento da internet, e sim, em uma analogia descabida mas que se torna cada vez mais direta, com métodos que se aproximam a pobreza que teria uma linguagem escrita, cujo o impacto a esta altura já estaria drasticamente desenhado. E quem melhor que os poetas para atentar aos perigos de seguir a linguagem escrita à risca?

A proposta é grandiloquente, se pensarmos principalmente, na esperança que ela carrega, o que poderia acarretar em uma Era das desmaravilhas facilmente. Mas é tentador, em um sentido teórico, observarmos como os poetas, cientistas e filósofos, vamos recomeçar, (por que separar?), como os investigadores e curiosos da era das maravilhas olharam para as diferentes cores dos céus, os vulcões, as sequoias, os líquens, as florestas, os desertos, os diferentes povos, a altura das cordilheiras, o fascinante espelhamento das raízes e das copas, ao mesmo tempo que para a eletricidade arrebatadora dos raios, das tempestades, das correntes de elétrons dos impulsos musculares dos seres quentes e frios, e tiveram que se reposicionar diante ao mundo, repensando tudo por meio desta alta escala e alto impacto. Agora, olharíamos para as moléculas, as cadeias de aminoácidos, proteínas, enzimas, olharíamos mais do que tudo para o invisível, o alto impacto das menores escalas, e teríamos que nos reposicionar e repensar a vida, o vivo, o orgânico, o nosso desejo frente, novamente, a natureza. A valoração das mais diversas noções de vida de formas de viver, de perspectiva dos outros vivos, viventes, vitalismos, vitalidades, e existências, em suas maiores relações de diversidades. E nisto, precisamos o máximo de gentes, humanos, não humanos, tantos quanto possíveis.

É a minha própria vida que se espanta, é ela que deve me fornecer, se puder, minhas respostas, pois é somente nas reações de nossa vida que pode residir toda força e como que a necessidade de nossa vontade, escreve, Valéry um texto. Se há a se moldar um cenário quase certo deste tipo de tecnologia, a proteção do espanto, da capacidade de se espantar, de como emily dickinson sairmos com uma lanterna lá fora (no outro ou nos outros) para nos encontrar, no jogo de todas relações, onde nasce a mais profunda das comunicação (a comunicação: a produção de vida como uma resultante de diferença a partir e entre e em mais de um?), o estarjunto por sentido/lúdico/sobrevivência+encantamento=sentido, seja em qualquer situação: proteger o espanto é uma prudência emergente.

Podemos pensar também a partir destes exploradores dos século XVIII e XIX, mais arrematados a interdisciplinariedade talvez do que nós, o que Mary e Peter Shelley diriam frente a tudo isso levado a maiores proporções? Digamos, ao verem o coelho Alba, fosforescente, criado pelo artista Eduardo Kac? O que um Schiller, um Goethe (que foi fundo na alma de um demônio), ou um Humboldt, que foi fundo nas minas, nas entranhas da terra, teria a dizer sobre a programação fundamental dos seres, não só revelada, mas também, interferida em escalas drásticas? Talvez este seja, para os leitores de Dyson, um caminho interessante. Esta parece uma história da crise do ocidente dentro do pensamento do ocidente sobre si mesmo, assim sendo, ensimesmado, onde em um clichê indispensável se canta com goya a famosa citação: o sono da razão produz monstros. e como li em algum lugar, o oriente é o sonho. Mas esta é outra história.


a beleza: alguns adidos

Original Art 13 – 加藤文博 [Teruhide Kato] (2004).

a beleza é uma aflição?, questiona o poema de emily dickinson (So gay a Flower / Bereaves the Mind / As if it were a Woe — / Is Beauty an / Affliction — then? / Tradition / ought to know). em outro escrito seu, que começa com eu morri pela beleza, constrói-se uma aproximação entre beleza e verdade, como duas equivalentes não apenas em importância e hierarquia como também em fatalidade. nele dois mortos conversam em uma mesma vala como vieram parar ali, um pela primeira, o outro pela segunda. aqui, a poeta de Ahmrest acrescenta um outra fator definidor de sua característica: não pode ser manufaturada ou buscada (Beauty — be not caused — It Is – / Chase it, and it ceases – / Chase it not, and it abides).

a beleza é uma ferida que nos atinge, presta um coro parecido particular eucanaã ferraz, com essa frase que é o título de um poema seu do livro sentimental. em outro escrito, continua: estar à beira da beleza/como de um precipício, permitir iniciar a terra sem a terra. aqui o arco de fricção do corpo vivo à perigo, seu índice de fatalidade, parece retornar, ao modo do peso do poema de emily. quem está na sua presença, para ferraz, parece ser testemunho de um gesto inevitavelmente violento. que seja particularmente transgressor. destruidor feito à medida.

no livro juventude, de coetzee, em uma passagem o narrador cita uma um pensamento de rilke que diz algo como a beleza ser algo que nos devora. talvez como saturno devore o tempo, seu filho, para que assim possamos sentir sua existência. coetzee estende o pensamento: aquele que é devorado, além de tudo, como resultante, agradece pelo devoramento. se ir atrás da beleza estará sozinho diz o início do verso de um poema chamado poética, do poeta joan margarit. se a encontra se esvai, deixando pó de mariposa entre os dedos. a beleza se toca porque nos toca mas não se agarra mas não se prende.

em flusser há um seguimento entre feio e belo que talvez seja pertinente. o ato de criação é costumasmente feio pois quebra – fere – as convenções. o que se chama de belo seria um hábito adquirido para este novo. é claro que ele estava pensando em outras aplicações dessas categorias, mas forçando um pouco, podemos imaginar aqui isso, a beleza é feia nesse sentido quem sabe: baque, desorientação, abandono, renascimento dos sentidos. é difícil não ver ecos, novamente, e e. d. e sua única e poderosa síntese. a beleza, assim como o poema seu pergunta, nos questiona. nos dá um pouco quebrado em muitos. o senso de originalidade incomparável nos atinge como uma verdade, inaugura um momento verdadeiro por não poder voltar atrás. não há controle, não há referência, não há solidão que pendure em simultâneo. a beleza é um flagrante mortal onde o corpo corre risco de estar entre vivo a mais vivo. e pouco ou nada saberia dizer antes disto.

artist-akseli-gallen-kallela:
“Oceanides, Akseli Gallen-Kallela, 1909, Finnish National Gallery
http://kokoelmat.fng.fi/app?si=A-1995-96
”
Oceanides, Akseli Gallen-Kallela, 1909

habitar a dúvida para habitar o tempo histórico

distortedmag-blog:
“ © Geraldo de Barros, Fotoformas, Tatuape, Sao Paulo, 1948
”
 Geraldo de Barros, Fotoformas, Tatuapé, São Paulo, 1948.

de um lado a culpa/dívida (shuld): o resultante do credo do capital, que ao invés de redimir como outros credos, a produz. por dever, estamos sob seu escopo, por não termos saída, deve-se a não conquista, o não faturamento, as terras, o dinheiro, a vida. faz-se empréstimos mentais, o fio que persegue é largo. assim não habitamos o instante. devemos a história, perdemos o instante. a história em uma linha é uma oclusão de assuntos. o cabo de guerra ora pesa mais para um mais para outro. do outro a ventania do progresso. contra o destino, o destino tatuagem do, avança-se ao mistério. no destino não existe nem presente nem passado nem futuro, apenas a culpa, suprema história do mundo, capaz de realizar sua univocidade. Sensorial, alavancador, olhos outros, o anjo benjaminiano é arrastado ao tempo posterior enquanto seus olhos guardam a fixidez da parte atrás. é capaz de sentir a catástrofe, assim ambiciona a dúvida: os próprios olhos da criatura poderiam estabelecer umas terras várias: mil horizontes. a dúvida é a boa-fé, uma crença inabalável: o horizonte. nos permitimos sonhar, decrescidos das marcas escarlates, das marcas herdadas de um rasgo. a dúvida fluserriana encabeça pela autenticidade, produz sentido, embora sua produção, não a seja. a dúvida da dúvida esvazia, consagra, totaliza, autocratiza, soberaneia (gera culpa) e o que pode ser história pode ser um progresso do esvaziamento. como destruir o contínuo inercial da história, interceder a dívida, perguntamos, reperguntamos. é no fundo sempre o mesmo dia, é no fundo sempre a mesma palavra. linhas, elipses, fitas e moebius. poderíamos pensar a dúvida reinstaura auto-estima, contra a culpa, a dúvida estabelece a fé no presente. a dúvida por sua intuição, capacidade poética, revela o absurdo da pretensa história, que fala consigo mesma. longe desta repetição, como na linguagem a renova por meio da poesia, quando pensamos o céu, o processo histórico, pensamos não no tempo mas na possibilidade de se revelar outros mundos. na dúvida, habitamos o tempo pelo presente, a epifania, experiência, a revolta, contra o que em jesi é o tempo normal, manipulado. a revolta é a verdadeira suspensão do tempo histórico. e nela há o sonho.

(irresponsavelmente com o pensamento em benjamin, flusser e furio jesi)


3 poemas de Kajal Ahmad

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Mirror

The vague mirror of my time
broke because
it made what was small big
and what was big small.
Dictators and monsters filled its face.
Even now as I breathe
its shards pierce the walls of my heart
and instead of sweat
I leak glass.

(Fonte)

Espelho, de Kajal Ahmad

O vago espelho de meu tempo
quebrou porque
fez o que era pequeno
grande e o que era grande pequeno.
Ditadores e monstros preencheram sua face.
Até agora enquanto respiro
seus cacos perfuram as paredes de meu coração
e ao invés de suor
Eu vazo vidro.

*

Buttons

Among innocent kisses
the first button of my pink shirt
fell off.
Later, sewing,
her glasses like lasers fastened over her eyes,
the needle in her hands, like her fingers,
threatening, she spat out,
“Don’t you put this in a poem!”

(Fonte)

Botões

Entre beijos inocentes
o primeiro botão da minha camisa rosa
despencou.
Depois, costurados,
os óculos dela como lasers velozes sobre seus olhos,
a agulha em suas mãos, como dedos seus,
ameaçando, ela cuspiu,
“Não coloque isto em um poema!”.

*

Birds

According to the latest classification, Kurds
now belong to a species of bird
which is why, across the torn, yellowing pages
of history, they are nomads spotted by their caravans.
Yes, Kurds are birds! And even when
there’s nowhere left, no refuge for their pain,
they turn to the illusion of travelling
between the warm and the cold climes
of their homeland. So naturally,
I don’t think it strange that Kurds can fly.
They go from country to country
and still never realise their dreams of settling,
of forming a colony. They build no nests
and not even on their final landing
do they visit Mewlana to enquire of his health,
or bow down to the dust in the gentle wind, like Nali.

Pássaros

De acordo com últimas classificações, Curdos
agora pertencem a uma espécie de pássaro
por isso, pelo rasgo, páginas da história
amarelam, eles são nômades vistos por suas caravanas.
Sim, curdos são pássaros! E até mesmo quando
não há nenhum lugar sobrando, nenhum refúgio para dor,
se dedicam a ilusão de viajar
entre os climas quentes e frios
de sua terra natal. Assim, naturalmente,
Não acho ser estranho os Curdos poderem voar.
Eles vão de paías a país
e ainda continuam a realizar seus sonhos de se estabelecer,
de formar colônias. Eles constroem ninhos
e nem mesmo em sua chegada final
eles visitam Mewlana para intimá-lo de sua saúde,
ou curvam-se ao pó no vento gentil, como Nali.

(Fonte)

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Kajal Ahmad nasceu em 1967, em Kirkurk no Iraque, e é uma poeta curda contemporânea e jornalista. Começou a publicar com 21 anos e foi traduzida em diversos idiomas e atualmente vive em Sulaimaniya, Iraque. É considerada uma importante voz da fala e poesia curda. Aqui podemos citar outros nomes que estão ampliando, atualmente, esta literatura tal como Sherko Bekas, Najiba Ahmad e Cihan Hesen. Ahmad é conhecida também pela sua franqueza, seu olhar em prol das mulheres e por conter uma desenvoltura particular de envolver o pessoal e o político.

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